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Só o que a vida te dá é teu

Publicado

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Sérgio Motti Trombelli

Ainda jovem, li um romance que até virou filme, e me parece com remake, onde um rapaz encontrou a biblioteca onde estavam os livros de todas as vidas do mundo. Curioso, logo procurou seu país, seu estado, sua cidade e lá encontrou a sua história. Entretanto, cada livro estava encerrado quando a pessoa que ele retratava já havia morrido. E, para quem estivesse ainda vivo, havia algumas páginas em branco para a possibilidade de serem escritas mais páginas, principalmente como deve ser o final dos dias de cada biografado. O que queria dizer que ninguém podia prorrogar seu tempo neste mundo. No final, as páginas seriam escritas conforme as vidas iam chegando ao fim.

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Desta forma, ele reescreveu coisas para si, de modo que sua vida futura fosse boa. E, de fato, sua vida, após aquele dia, melhorou muito. Porém, vendo que um grande amigo seu estava com uma vida difícil, voltou àquela biblioteca, e com a vida do amigo nas mãos, reescreveu-a de maneira que ela fosse melhor.

Acontece que, ao mudar sua vida e a do seu grande amigo, os fatos acrescentados acabaram por complicar a vida de outros amigos. Assim, na ânsia de solucionar todos os problemas dos afetados, lá foi ele novamente reescrever a história daqueles que foram afetados pelas suas mudanças, esperando fazer o bem. Contudo, mais vidas iam sendo alteradas por conta das suas incursões nas histórias alheias. E com isso, sua ação gerou uma imensa confusão nas vidas que ele tanto queria melhorar. E mais, pessoas que ele nem sabia quem eram foram envolvidas, desequilibrando a harmonia que existia antes.

Com o tempo, algumas mudanças feitas nas vidas alheias acabaram colidindo com o que ele fizera com a sua própria vida e ele voltou a viver fora de controle. Se antes não estava bom, agora estava pior ainda. Desta forma, aqueles a quem ele mexera, além de si próprio, passaram a ter um destino que antes, mesmo não sendo ideal, possuía equilíbrio e harmonização. E ele acabou se tornando um agente do caos.

Nunca me esqueci desta história. Embora haja o livre-arbítrio do ser humano, a humanidade vive uma história comum, devidamente arranjada, com altos e baixos, bondades e maldades, e, se de fato Deus existe, este equilíbrio somente a ele pertence. Querer ser Deus é de uma impossibilidade humana total e as consequências serão sempre desastrosas.

Falo isso porque, já que o tempo é de eleição, os maus políticos gostam de reescrever o livro de suas histórias para obter mais vantagens. Nem sempre as páginas alteradas respeitam a história dos outros. Desvios de dinheiro, obras desnecessárias com vantagem pecuniária, inversão de valores em leis descabidas, enfim, coisas que vemos ocorrer cotidianamente neste país confuso e desigual. Mudando as coisas para benefício de seu interesse, ele deixa de respeitar os direitos dos que o elegeram. Nem sempre o que é bom para o eleito é bom para os eleitores.

Creio que o final ocorrido com o personagem daquela história pode muito bem acabar sendo o mesmo para tantos e tantos que mexem na vida dos seus semelhantes. Só o fato de o universo (para não usar outro nome) permitir que um político seja eleito é mais do que suficiente para que a responsabilidade dele nunca seja a de reescrever a sua história e a dos outros, objetivando vantagens para si e, com isso, tomar o que não era destinado a si próprio.

Na história e no filme, tudo acaba com o caos final, e a loucura tomando conta do personagem principal. Ele perdeu tudo, inclusive o respeito dos outros e da sua própria família. Faltou ao autor nos dizer, ou aventar a hipótese, sobre o que seria a vida daquela pessoa após sua morte. Contudo, para os que creem, talvez, seja o único consolo saber que as vidas se sucedem e todos que fogem do seu destino na busca da ganância em tomar aquilo que é dos outros têm uma consequência desastrosa. É a lei de causa e efeito. Você recebe de volta aquilo que faz aos outros.

Em tempo de eleição como agora, tomara que aqueles que assumirão os destinos de nossa cidade saibam e se lembrem sempre desta história, porque nesta, e na maioria das outras vidas, o que vai volta.

Sérgio Motti Trombelli
é professor universitário e palestrante cristão.

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