Estância do Leitor
Crônica: O enigma de Cuba.
Depois de um longo planejamento, eu, a esposa e seis amigos estamos em Cuba pela primeira vez, tentando entender os seus paradoxos e descobrir o que é a revolução.
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Andávamos por Havana, a capital de todos, admirados com a beleza das paredes que suavam uma arte malcheirosa, úmida de contrassensos, enigmática em seus conflitos. Pelas ruas, os seus suavam um orgulho patriótico humilde, vestidos de suas fardas esfarrapadas de cidadãos, fortes, necessitados e felizes.
Andando, uns ofereciam amizade a dólar, inebriados pelo consumo sobre a virtude, outros no caminho contrário, davam só conversa, enquanto os que fome tinham nem sequer falavam. E o ruído aumentava a cada passo, o calor molhado nos encharcava a razão e o lixo ameaçava nos afogar, só para em seguida ser represado pela melhor lagosta que nós, as vítimas do capitalismo, podiam comprar. E o daiquiri me fazia querer ser Hemingway ao som de Buena Vista ou da salsa prometida naquele bar.
E já acreditando que realmente “só” a saúde, a educação e a segurança funcionavam, e que sem bloqueio a ilha poderia tornar-se a potência que a simpatia de sua bela e mal tratada gente prenunciava, montei triunfante em uma bicicleta táxi, só absorto por meus pareceres, certo de que os porcos imperialistas eram responsáveis por cada escombro, ferro retorcido e cachorro faminto que avistávamos de nossas cadeiras confortáveis, por trás de um garoto sem futuro, que sobre os pedais só podia suar manchando o seu único par de tênis.
E foi ao descer que um dos amigos, um homem de verdade, chorou, dizendo se sentir ele agora o explorador, emocionando a todos nós. E sendo o nosso revolucionário, deu a sua camisa ao rapaz, seguido do outro amigo que entregou os seus próprios tênis.
Eu não me movia. Não tinha em mim a medida certa de sofrimento. Mas os admirei. Explodiu em mim um coquetel Molotov moral, e quis eu mesmo resgatar cada um dos soterrados na miséria, pois agora não eram mais simplesmente povo, eram Carmen e Juan. E eu quis abraça-los. Eu vi em Cuba a revolução. Em mim. E o seu nome é fraternidade.
Fabio R. Peracini
Professor em Guarujá e autor de “Feudo Desencantado” da editora Caravana, bem como de contos presentes em coletâneas como “Investigações Paralelas” e “André Vianco – Bosque do Silêncio”
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